terça-feira, 24 de julho de 2007

Mongólia: Flechas, cavalos e lutas










Ano após ano, todo começo do mês de julho, há na Mongólia o Naadam, festival que reúne os principais esportes praticados no país: o tiro com arco (o popular arco-e-flecha), corrida de cavalos mongol (ao estilo das corridas cross-country) e o Khuresh (uma espécie de luta greco-romana local, criada por Gêngis Khan). A cultura e o folclore mongóis, inclusive, dizem que ser bom arqueiro, cavaleiro e lutador faz do homem uma pessoa completa.

Num país cujo maior herói esportivo é Jigjid Munkhbat, medalhista de prata em luta greco-romana na Olimpíada de 1968, com pequena população apesar do tamanho (é o 19° maior país do mundo, mas tem menos de 3 milhões de habitantes), qual o espaço que teria o futebol?

O filme “A Grande Final”, de 2006, mostra que pode ter algum. A película espanhola mostra episódios independentes, mas interligados, de indígenas brasileiros, tuaregues do Níger e nômades mongóis lutando para conseguirem assistir à final da Copa de 2002. Todos os relatos são baseados em fatos reais, o que evidencia o quanto o futebol atinge até os confins da Mongólia.

Atualmente, nas escolas primárias mais afastadas da capital, Ulan Bator, o futebol faz parte do currículo escolar e todas as crianças praticam o esporte. Como acontece em muitos países recém-aficcionados pelo futebol, ele é mais praticado pelas meninas, que são proibidas de disputar os esportes mais populares do país, apesar de muitas mulheres se destacarem no tiro esportivo, como Munkhbayar Dorjsuren, hoje competindo pela Alemanha.

Muito frio, muito quente

Fundada em 1959 e filiada à Fifa apenas em 1998, a Federação de Futebol da Mongólia nunca obteve resultados, ainda que medíocres, nem mesmo em âmbito continental, onde jamais alcançou qualquer coisa digna de nota. As quatro únicas vitórias da seleção mongol (que usa camisa e calções vermelhos) aconteceram contra um mesmo adversário, Guam, último colocado no ranking de seleções da Fifa.

Como dito, a federação mongol foi fundada em 1959, mas a seleção não disputou jogo algum entre 1960 e 1998, basicamente por três razões: falta de dinheiro, de um time que pudesse minimamente fazer frente a qualquer outro e, mais gravemente, por problemas climáticos.

Como a Mongólia está localizada no centro-norte da Ásia, à beira do Himalaia, o clima local é bastante inóspito, com temperaturas que variam do extremamente quente no verão, com médias de 42°C e muito frio no inverno, com médias de -10°C. Além disso, Ulan Bator é a capital mais fria do mundo, com média anual de -2°C. Como se não bastasse, o país é assolado aleatoriamente pelo ‘zud’, um evento climático típico da Mongólia, no qual ocorrem temperaturas extremas de verão e inverno, causando tempestades de areia e pequenos tornados.

Esses são os maiores motivos para que a prática do futebol no Estádio Nacional de Ulan Bator e nos estádios das grandes cidades do país, como Erdenet, Tchoïbalsan, Baganoor e Darhan, fosse cada vez mais difícil e rara. Inclusive, a federação mongol solicitou apoio do programa Goal (programa da Fifa de apoio financeiro às nações futebolisticamente subdesenvolvidas) para a construção de vestiários e estruturas esportivas cobertas e climatizadas, a fim de favorecer o surgimento de atletas de qualidade.

Os Cavalos Vermelhos

O surgimento de craques não parece estar mais perto hoje do que já esteve algum dia. O centroavante de 22 anos Ganbaatar Tögsbayar (que joga no Khoromkhon) é o maior artilheiro mongol de todos os tempos e, sinal da globalização, já tem seus cabelos descoloridos, mas não chama a atenção de potências continentais. O experiente goleiro Jargalsaikhan Enkhbayar, do Khangarid, na meta nacional desde 1997, chegou a fazer testes em alguns times chineses, não saiu do país.

Em 1997, chegou à seleção (apelidada de Cavalos Vermelhos) o técnico Ishdorj Otogonbayar, um ex-jogador local que se formou em futebol em Kiev e que havia sido várias vezes campeão pelo Erchim, o time da Companhia de Energia Elétrica da Mongólia. Otogonbayar é considerado o principal responsável pela evolução (mesmo que pequena) da seleção, que, se não obtém vitórias, pelo menos motiva a torcida e os jovens a praticarem o futebol. Além disso, foi o comandante do time na histórica vitória sobre Guam, em fevereiro de 2003, a primeira da Mongólia. Mas enquanto outra vitória sobre Guam (essa, de goleada por 5 a 2, em 25 de junho de 2006) é considerada pelos cronistas locais como o grande momento da história futebolística mongol, eles sempre se lembrarão da derrota frente ao Uzbequistão por 15 a 0 em 1998, o pior revés da história dos Cavalos Vermelhos.

Em termos de clubes, o resquício da época comunista, em que a União Soviética praticamente financiava o país e o estatismo mandava, ainda existe. Os times dependem de universidades (casos do Zamin Uud, do Ulaanbaatar University e do Zamchin) ou de empresas, como o Khasin Khultood, que é o time do Banco Nacional, o Baganoor, que é o clube do sindicato de trabalhadores rurais e o Selenge Press, mantido pelos jornais do país. A liga nacional existe organizada como tal desde 1974 e atualmente é disputada por 12 times divididos em quatro grupos de três, de onde saem oito equipes que se enfrentam em eliminatórias até a final.

Nunca nenhum time mongol participou de copas asiáticas de clubes. Havia planos no alviverde Khasin Khultood, campeão do ano passado, participar da Presidents Cup (torneio continental, que, grosso modo, reúne a ‘terceira divisão’ de clubes da Ásia), mas faltou dinheiro para viagens internacionais.

Enquanto não houver estrutura, intercâmbio continental e um mínimo de investimento, a Mongólia continuará a ser saco de pancadas e a figurar entre os últimos colocados em qualquer ranking.


matéria de minha autoria originalmente publica no site Trivela, na seção "Conheça a Seleção"


2 comentários:

Eduardo Borsari disse...

Parabéns Bindi.
Como sempre fazendo ótimas matérias e enchendo a galera de informação.

Abraço

Anônimo disse...

Adorei!! procurei pela net e não achava nada sobre esportes tradicionais da mongólia! o site me ajudou bastante, mesmo que de forma vaga! parabéns e obrigada :)